sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

PRIMEIRA LIÇÃO DE AMOR

Preciso fazer que ela me ame.
Que me deseje. Que me apaixone por ela.
Preciso fazer que ela me ame,
que não divulgue meu nome em vão, que não desapareça sem sorrisos,
que não se sinta inferior a mim,
que não desapareça sem lágrimas.

Preciso fazer que ela me ame.
Que não me trate como o vagabundo ao emprego,
ou como as quimeras de Adão e Eva, ou como
a inconstância dos ventos, ou como
o fogo que arde nos versos de Camões,
ou como o costume de orar, os oradores.

Preciso, preciso que ao me amar, ela se sinta ímpar, feliz,
quase uma serpente no deserto,
quase feita de carnes e ossos,
quase abraçada ao amado numa cama estreita,
quase de cabelos brancos,
com os filhos gêmeos no colo,
Enfim... quase morta...

Quase morta a Sua face, quase mortos os Seus segredos,
quase extintos os Seus nãos, quase simples os Seus sins.

Na verdade, o que preciso dela é que não se vá com o vento,
não se iluda ao me deixar a esperando por essas décadas frias,
por essas noites temerosas, por essas ruas sem calçadas,
por esses territórios sem cercas,
esses moinhos de vento.

Na verdade, se ela não sabe que me ama,
como saberá que me ama, se ela não sabe ler?
Se ela não sabe que me ama,
que vai me amar,
que vai me deixar por décadas
se ela não sabe ler meus versos nas noticias bonitas do jornal,
se ela se parece com a mãe dos seus filhos, se
ela é somente a mesma vagabunda de "vida fácil"
por que a minha solidão é plácida?
por que meus atos são demorados?
por que minha casa é barulhenta?
por que sou inclinado a odiar os que se julgam de mim os maiorais?
por que não obedeço aos pais quando quero desobedecer aos pais?
Por que eu a quero sem motivos?
A esperarei plantando sementes de tulipas?
Se amo mesmo os cactos?
Por que nunca levei minha irmãzinha num caixão fechado, minha filhinha morta?

Preciso fazer que ela saiba que me ama,
de algum modo que possa me ler à noite, antes de dormir,
antes de beijar a face da mãe, antes de beijar as mãos do pai,
preciso fazer que ela saiba que me ama,
que vai me amar, que vai me deixar, que vai simplesmente se apaixonar por outro,
e ainda assim me amar.
Preciso fazer que ela saiba que me ama,
que ela aprenda a ler as boas noticias no jornal,
que ela descubra sua árvore genealógica,
que more na Grécia, no Japão, nesta mesma rua onde moro,
nesta mesma cidade onde escrevo,
e não se mude para o quarto contíguo.
Preciso fazer que ela saiba
que após dez anos
descubra que me amou,
que me deixou por décadas geladas, nubladas,
a caminhar sem destino
por paragens gregas, pensando em dias vindouros.
Preciso ser rápido, certeiro,
e matá-la enquanto tentar arrancar das minhas mãos uma tulipa.

Preciso convencê-la a não deixar que eu morra,
a não deixar que eu pereça,
a não me odiar por (eu) ser apenas um garoto qualquer,
sem lar, sem dono, sem constrangimentos.

Que importa que ela de mim tenha pena,
e de mim nem diga um terço
do que as almas apaixonadas não dizem?
Sim, preciso matar-me quando ela me der um cacto.
Preciso esperar dez anos ou menos
e ter de cobertor apenas uma notícia de jornal.
Preciso controlar do fundo da alma
a vontade homérica de ensiná-la a ler.

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